Aposentado dorme em caixão após pacto na infância
Ex-radialista ganhou a urna “de presente” de um amigo, e há 23 anos dorme trancado nela todas as sextas-feiras
LEONARDO MORAIS
"É um lugar bom para eu meditar, fazer minhas orações e pensar na vida", diz o aposentado
GOVERNADOR VALADARES - Moradores da Rua São Salvador, no Bairro Santa Terezinha, em Governador Valadares, têm um vizinho com um costume curioso. Ao invés da cama, Zeli Ferreira Rosse, de 60 anos, usa um caixão para dormir. Há quem ache a atitude engraçada. Mas também quem prefira passar longe da casa, como as crianças.
O aposentado - que já foi radialista, comissário de menores e técnico em eletrônica - garante que tudo começou como uma brincadeira, sem qualquer ligação com religiosidade. Ele e um amigo de infância fizeram um juramento na juventude. Quem morresse primeiro ganharia o caixão do outro.
Aos 33 anos, Rosse sofreu um acidente. Estava sentado sobre uma moto parada quando foi atingido por um carro em alta velocidade. Os ferimentos o deixaram no hospital por quatro meses. Um boato sobre a morte dele se espalhou e o amigo, que vivia no Espírito Santo, encomendou o caixão por telefone a uma funerária de Governador Valadares.
"Depois que saí do hospital, tentei devolver o caixão, mas a funerária não aceitou. Acabei guardando-o em casa e dormindo nele de vez em quando, de brincadeira. Cinco anos depois, meu amigo morreu 'de verdade'. Mandei um caixão novo para ele e fiquei com o velho", diz o aposentado.
Desde então, Rosse dorme na urna. Mas só às sextas-feiras, dia que não foi escolhido por acaso. Foi quando o amigo dele foi assassinado a facadas, depois de ser confundido com outra pessoa. "Mantenho esse costume há 23 anos. É um lugar bom para eu meditar, fazer minhas orações e pensar na vida. Quando não posso passar a noite de sexta nele, não consigo dormir".
A mulher do aposentado, a dona de casa Cleusa Pereira Rosse, de 56 anos, é quem fecha o caixão para o marido. Ela revela que nunca teve medo, mas admite que sempre achou a atitude esquisita. "Tampo o caixão à meia-noite de sexta e abro às 6 horas de sábado. Um dia, por estar passando mal, perdi a hora e acordei com o Zeli gritando, às 6h30. Ele queria tomar café", conta.
O estudante Otávio Martins Rosse, de 13 anos, mora com o avô e acha o hábito "interessante". Mas revela que a maioria dos amigos da rua não vai à casa da família. "Eles têm medo do 'Zé do Caixão'. Acham que vão encontrar assombração aqui", brinca.
Apesar disso, o adolescente diz que ficou orgulhoso quando a escola onde estuda levou a turma da 3ª série para conhecer o avô e ouvir sua história, em fevereiro deste ano. "Foi divertido. Precisava ver a cara de espanto dos alunos. Meu avô é um mito".
Na rua, as opiniões sobre o morador excêntrico se dividem. O ajudante de bombeiro Wilson Araújo da Silva, de 30 anos, vive ao lado da casa de "Zé do Caixão" desde a infância, mas só depois de adulto soube do costume do vizinho. "Caixão é pra gente morta. Não gosto nem de pensar nisso. Fico assombrado demais".
O ajudante de pedreiro Valdeci Gomes Barbosa, de 44 anos, é outro morador da Rua São Salvador "cismado" com o hábito do aposentado. "Acho que não tem problema. Ou será que tem?", questiona.
Uma mulher que passava pela rua no momento em que a entrevista era feita se esquivou quando chegou perto do imóvel da família Rosse. Desviou o caminho e foi para o outro lado da calçada. "Não quero falar sobre isso não", avisou. Já a professora Aparecida Vilela, de 50 anos, desconhecia o estranho hábito do vizinho. "Acho engraçado e muito corajoso também. Caixão é para depois da morte".
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