Só em BH, 144 mortos sem identificação no IML foram enterrados em 2011, em uma despedida sem flores ou lápides
FREDERICO HAIKAL
Mortos “sem nome” são transformados em números no Parque da Colina
No setor de assistência social do Instituto Médico-Legal (IML) de Belo Horizonte, o quadro eletrônico de avisos aponta que dois corpos estão à espera do reconhecimento de parentes. Eles encontraram a morte na última quarta-feira, mas um deles, o cadáver classificado como “desconhecido”, pode não contar com velório, coroa de flores ou
sequer a inscrição de um nome no túmulo. O que o fará receber o mesmo destino de 144 dos 279 corpos não identificados pelo IML em 2011: um enterro sem homenagens na capital. Os outros 135 foram sepultados em cidades da Grande BH.
sequer a inscrição de um nome no túmulo. O que o fará receber o mesmo destino de 144 dos 279 corpos não identificados pelo IML em 2011: um enterro sem homenagens na capital. Os outros 135 foram sepultados em cidades da Grande BH.
Na maioria dos casos, o órgão recebe homens entre 20 e 30 anos, que na hora da morte estavam sem documento de identificação. Vítimas das chamadas causas externas, como acidente de trânsito, homicídio ou envenenamento, são encaminhadas ao instituto e deixam de ter um nome para se tornarem desconhecidos da morte.
“Quando uma pessoa está sozinha e sem documento e sofre uma morte súbita, não é possível ser identificada de imediato”, explica o professor de Medicina Legal da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Marco Aurélio Guimarães.
Só no ano passado, 1.276 corpos foram taxados dessa maneira ao entrar no IML de BH, segundo a Polícia Civil de Minas Gerais, sendo que 997 foram posteriormente identificados. O número representa um crescimento nos registros do tipo em relação a 2010 (732) e 2009 (651). O aumento se deve a uma nova norma da polícia de apenas identificar o cadáver que tenha documentos com foto, como carteira de motorista, identidade ou trabalho. “Aumentei o rigor nessa identificação da vítima em 2011”, afirma o chefe da Divisão de Crimes Contra a Vida, delegado Wagner Pinto.
Ao entrar como desconhecido no IML de BH, o corpo deve passar por um processo meticuloso, na tentativa de identificá-lo, segundo o responsável pela Divisão de Perícias Médico-Legais, João Batista Rodrigues. É feito um cadastro para cada indivíduo com características como sexo, cor dos olhos, altura, marcas de nascença e até tatuagens. Esses dados, junto com exames da arcada dentária e a impressão digital, ficam disponíveis no sistema interno de internet e podem ser consultados inclusive pela Delegacia de Desaparecidos do Estado.
“A partir desses exames, podemos identificar a pessoa, permitindo ao setor de assistência social tentar encontrar os parentes”, explica. Se não houver sucesso nessa apuração, o corpo deve ficar no mínimo 30 dias nas câmaras refrigeradoras do IML. Caso ninguém o reclame, será enterrado na cidade onde foi recolhido.
Na capital, foram 144 sepultamentos de desconhecidos no ano passado. Uma média de 12 por mês, segundo estatísticas da Funerária Santa Casa, que presta o serviço gratuitamente, junto com a prefeitura.
Desde 2003, o procedimento acontece no cemitério Parque da Colina –por conta da proximidade em relação ao IML, na região Oeste de BH. “Cerca de 2.200 covas rasas do Colina são da prefeitura, para enterros de pessoas carentes ou não identificadas ”, diz o chefe da Divisão de Necrópole da prefeitura, Eduardo Di Flora.
As covas estão mais próximas da superfície, para facilitar futuras apurações sobre a identidade do morto. “Os corpos ficam por tempo indeterminado, conforme necessidade de exumação do IML”, diz Di Flora.
Ele afirma que cerca de 70% das sepulturas estão ocupadas por pessoas que foram enterradas sem identificação. Sem nome e lápide, esses mortos acabam virando apenas números pelo campo do Colina. Por ali, não há flores, nem ninguém para prestar homenagens. O coveiro é o único a testemunhar a despedida de alguém que não fez nome depois de deixar a vida.
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